domingo, 18 de julho de 2010

4 Notas sobre David de Souza por José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) (professor, escritor)

I – Evocando David de Souza (1)

Figueirense até à morte, David de Souza foi uma estrela cadente na música portuguesa: brilhante, como qualquer estrela cadente; e, como qualquer estrela cadente, fugaz também.

Tudo quanto na vida lhe aconteceu, passou-se nos breves 38 anos da sua existência. Mas o que nesse curto prazo lhe aconteceu, mesmo à escala mundial, foi imponente.

Excepcionalmente dotado, aos 9 anos inicia-se no solfejo e no canto na Escola da Sé Patriarcal em Lisboa, e aos 20 tem já o curso de violoncelo, com prémios, do Conservatório Real de Lisboa.

Parte então para a Europa, para apurar a sua arte. Assim, entre 1904 e 1908, vive em Leipzig: primeiro continuando os estudos particulares de violoncelo; e depois, como aluno do Real Conservatório de Música daquela cidade, de onde sai elogiado pela conduta, assiduidade, talento, aptidão e inteligência musical que revelara, e que lhe conquistaram prémios como executante, compositor e regente.

Entre 1908 e 1910, sem nunca perder contacto com Leipzig, aparece como violoncelista de orquestra em Inglaterra, na Áustria Imperial e na Rússia. No mundo dos czares, figura na Orquestra de Concertos Históricos de Moscovo, onde é solista e onde chega a segundo regente. Data desse tempo o seu primeiro êxito como compositor: a célebre “Rapsódia Eslava”.

Em 1911, volta à Inglaterra para actuar em Londres, onde torna mais tarde, como solista e maestro, pelo menos em 1914 e 1917. A partir de 1913, porém, é na pátria que procura realizar-se.

Começa a 6 de Julho, com um recital de violoncelo no Conservatório que o formara. Mas, fiel à terra natal, é na Figueira da Foz que dá o seu primeiro concerto público a 29 de Setembro no Ginásio Clube Figueirense.

Nota curiosa foi que, para além da figura mestra de David de Souza e do pianista Tomaz de Lima, no espectáculo intervieram dois figueirenses mais, ainda bastante vivos na memória de muitos: Augusto Pinto, o jornalista, e Ernesto Tomé, o homem dos arrojados empreendimentos turísticos.

E à Figueira voltou David de Souza, por exemplo, em 1917, a este mesmo Grande Casino Peninsular e ao então Casino Oceano, essa pobre ruína de um brilhante passado, que em homenagem à estética do lugar e ao património cultural figueirense, urge restaurar condignamente.

Lisboa, porém, é o meio natural para David de Souza viver.

E assim, depois de se estrear como director de orquestra a 19 de Outubro de 1913 no Teatro Nacional, logo a partir de 7 de Dezembro seguinte inicia os concertos sinfónicos do Teatro Politeama, que deram brado, animando a vida musical lisboeta por quase 5 anos, 5 anos de êxito em êxito, numa intensa vida de labor e competição.

No entanto, a 3 de Maio de 1918, dá o seu derradeiro concerto. Derradeiro, porque abruptamente, a morte o ceifou!

Fugindo à pneumónica, vem para a Figueira, a férias; mas não logra escapar ao mal que vitimou milhares de pessoas, aqui também.

Entre 2 e 3 de Outubro, entra em agonia. No transe, apenas o acompanha um rapazote que toda a noite sozinho vela o moribundo e lhe assiste ao fim. E é vivo ainda, felizmente, esse rapaz de então, a quem tantos de nós devemos simpatia, se não mesmo ajuda concreta. É vivo: chama-se Severo Biscaia e hoje sofre, porventura, uma das noites mais negras da sua existência já longa… (2)

Em David de Souza, a música perdia o seu maior vulto figueirense, e um dos maiores vultos nacionais: além de violoncelista e compositor de grande promessa, que a morte gorou, foi também um notável professor de música e maestro excepcional.


(1) O presente texto, agora melhorado, foi lido na festa de homenagem às professoras de música Camolino de Sousa, realizada no Grande Casino Peninsular, na noite de 21 de Setembro de 1979. Depois, a 30 do mesmo mês, publicou-se no semanário local “O Figueirense”.

(2) Referência ao trágico acidente em que, na tarde dessa mesma noite festiva, perdeu a vida a esposa de Severo da Silva Biscaia.

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