domingo, 18 de julho de 2010

Tout près de mon coeur - David de Souza


Ana Leonor Pereira - soprano
António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

David de Souza (1880-1918)

4 Notas sobre David de Souza por José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) (professor, escritor)

I – Evocando David de Souza (1)

Figueirense até à morte, David de Souza foi uma estrela cadente na música portuguesa: brilhante, como qualquer estrela cadente; e, como qualquer estrela cadente, fugaz também.

Tudo quanto na vida lhe aconteceu, passou-se nos breves 38 anos da sua existência. Mas o que nesse curto prazo lhe aconteceu, mesmo à escala mundial, foi imponente.

Excepcionalmente dotado, aos 9 anos inicia-se no solfejo e no canto na Escola da Sé Patriarcal em Lisboa, e aos 20 tem já o curso de violoncelo, com prémios, do Conservatório Real de Lisboa.

Parte então para a Europa, para apurar a sua arte. Assim, entre 1904 e 1908, vive em Leipzig: primeiro continuando os estudos particulares de violoncelo; e depois, como aluno do Real Conservatório de Música daquela cidade, de onde sai elogiado pela conduta, assiduidade, talento, aptidão e inteligência musical que revelara, e que lhe conquistaram prémios como executante, compositor e regente.

Entre 1908 e 1910, sem nunca perder contacto com Leipzig, aparece como violoncelista de orquestra em Inglaterra, na Áustria Imperial e na Rússia. No mundo dos czares, figura na Orquestra de Concertos Históricos de Moscovo, onde é solista e onde chega a segundo regente. Data desse tempo o seu primeiro êxito como compositor: a célebre “Rapsódia Eslava”.

Em 1911, volta à Inglaterra para actuar em Londres, onde torna mais tarde, como solista e maestro, pelo menos em 1914 e 1917. A partir de 1913, porém, é na pátria que procura realizar-se.

Começa a 6 de Julho, com um recital de violoncelo no Conservatório que o formara. Mas, fiel à terra natal, é na Figueira da Foz que dá o seu primeiro concerto público a 29 de Setembro no Ginásio Clube Figueirense.

Nota curiosa foi que, para além da figura mestra de David de Souza e do pianista Tomaz de Lima, no espectáculo intervieram dois figueirenses mais, ainda bastante vivos na memória de muitos: Augusto Pinto, o jornalista, e Ernesto Tomé, o homem dos arrojados empreendimentos turísticos.

E à Figueira voltou David de Souza, por exemplo, em 1917, a este mesmo Grande Casino Peninsular e ao então Casino Oceano, essa pobre ruína de um brilhante passado, que em homenagem à estética do lugar e ao património cultural figueirense, urge restaurar condignamente.

Lisboa, porém, é o meio natural para David de Souza viver.

E assim, depois de se estrear como director de orquestra a 19 de Outubro de 1913 no Teatro Nacional, logo a partir de 7 de Dezembro seguinte inicia os concertos sinfónicos do Teatro Politeama, que deram brado, animando a vida musical lisboeta por quase 5 anos, 5 anos de êxito em êxito, numa intensa vida de labor e competição.

No entanto, a 3 de Maio de 1918, dá o seu derradeiro concerto. Derradeiro, porque abruptamente, a morte o ceifou!

Fugindo à pneumónica, vem para a Figueira, a férias; mas não logra escapar ao mal que vitimou milhares de pessoas, aqui também.

Entre 2 e 3 de Outubro, entra em agonia. No transe, apenas o acompanha um rapazote que toda a noite sozinho vela o moribundo e lhe assiste ao fim. E é vivo ainda, felizmente, esse rapaz de então, a quem tantos de nós devemos simpatia, se não mesmo ajuda concreta. É vivo: chama-se Severo Biscaia e hoje sofre, porventura, uma das noites mais negras da sua existência já longa… (2)

Em David de Souza, a música perdia o seu maior vulto figueirense, e um dos maiores vultos nacionais: além de violoncelista e compositor de grande promessa, que a morte gorou, foi também um notável professor de música e maestro excepcional.


(1) O presente texto, agora melhorado, foi lido na festa de homenagem às professoras de música Camolino de Sousa, realizada no Grande Casino Peninsular, na noite de 21 de Setembro de 1979. Depois, a 30 do mesmo mês, publicou-se no semanário local “O Figueirense”.

(2) Referência ao trágico acidente em que, na tarde dessa mesma noite festiva, perdeu a vida a esposa de Severo da Silva Biscaia.

4 Notas sobre David de Souza por José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) (professor, escritor)

II – Passos na vida de David de Souza (1)

Rua do Príncipe Real, ali “no aterro do cais novo”, segundo esclarecia o Almanaque da Praia da Figueira para o ano de 1878-79, hoje Rua da República; e Rua Bernardo Lopes, aqui no Bairro Novo: eis os limites geográficos da breve linha dos 38 anos da vida de David de Souza, que no primeiro nasceu, a 6 de Maio de 1880 e no segundo morreu, a 3 de Outubro de 1918. E, não obstante a proximidade espacial entre semelhantes extremos, bem errados andaríamos se nos aventurássemos a supor que a existência do músico artista se cumprira num tão escasso trajecto.

Nado e baptizado na Figueira da Foz a 23 de Maio de 1880 (figueirense como sua mãe, D. Maria Leonor Marques de Figueiredo, aqui casada quase 3 anos antes com Mariano Augusto dos Reis Souza, negociante oriundo de Alvor, lá do reino dos Algarves), cedo com a família David de Souza fixa residência em Lisboa, onde aos 9 anos se inicia no canto e na teoria da musical por mão do Mestre de Capela da Sé Patriarcal Augusto José de Carvalho.
Depois de diplomado e distinguido pelo Conservatório Real, onde entrara em 1895-96, parte para Leipzig em 1904, como pensionista do Estado, para se aperfeiçoar na sua arte, processo que se conclui a 10 de Abril de 1908, quando faz o seu 10º e último exame no Real Conservatório de Música de Leipzig, em provas públicas para director de orquestra e compositor.

Entretanto, não se limita a passar esses 4 anos na Alemanha, nem por lá permanece todos os que se lhe seguem, até regressar a Portugal. Assim, o seu primeiro concerto parece ter sido em Setembro de 1906 em Inglaterra (Cheltenham), onde volta no Outono imediato: desse tempo vi programas pelo menos de Bridlington, Hull e Leeds. Entrementes, a 8 de Março de 1907, adquire composições musicais em Moscovo. E depois, na época Primavera / Verão de 1908, após o êxito das suas provas finais em Leipzig, tenta a sorte musical em Londres, onde pretendia continuar, apurando-se e porventura, fazer um doutoramento.

A seguir, entre fins de 1908 e 1909 e sem nunca perder contacto com Leipzig, actuando só ou integrado em orquestra, viaja por Inglaterra. Em 1909, concertos em Horrogate e outra vez em Bridlington, na Áustria e na Rússia. Um dos borrões da ”Rapsódia Eslava” tem data de Ekaterinoslaw – 18 de Dezembro de 1908.

Dos seus passos entre 1911 e 1913, pouco alcancei: em Janeiro, Fevereiro e Maio de 1911, adquire partituras em Londres; um esboço de uma composição a que não deu nome, data-o novamente em Ekaterinoslaw a 2 de Janeiro de 1913; e em Março do mesmo ano compra músicas em Leipzig.

Se ao que fica dito se juntar uma ou outra fugaz vinda a Portugal para matar saudades da mãe, de quem sempre se mostrou filho extremoso ou para rever amigos e, quiçá, pugnar pelos seus direitos de bolseiro, contra oficiais do mesmo ofício e seus adversários activos, obviamente há-de concluir-se que, entre 1904 e 1913, a linha de existência de David de Souza foi cheia de sinuosidades, repartida por “franças e araganças” de grande parte da Europa.

Entretanto, a partir da segunda metade de 1913, é em Portugal que vem tentar a sua sorte, embora ainda a partir de aí se não feche para essa mesma Europa. Assim por exemplo, datado de 21 de Julho de 1913 e válido por um ano, o nosso cônsul-geral em Londres concede a David de Souza passaporte para a Rússia; e na verdade é que na “Musette”, esboço de uma composição própria, encontramos data de Agosto de 1913 e, sempre, de Ekaterinoslaw. Depois, na segunda quinzena de Setembro imediato, com duas horas de espera de ligações ferroviárias – de onde e para onde? – aproveita para de Paris, escrever um postalinho a sua mãe. Enfim, sabe-se que volta a actuar em Londres, ao menos em dois momentos mais: em 1914 e em 1917.

De qualquer modo, a partir daquele ano de 1913 assenta arraiais em Lisboa. Assim, depois do concerto de apresentação como violoncelista no Conservatório, realizado a 16 de Junho, e após uma curta digressão na província – o seu primeiro concerto público em Portugal dá-o aqui na Figueira, a 29 de Setembro – inicia a sua actividade como director de orquestra no Teatro Politeama no dia 7 de Dezembro, aí se mantendo em actividade em todas as épocas seguintes, com o último espectáculo a 3 de Maio de 1918. Além disso, a partir do ano lectivo de 1915-16, é também professor no Conservatório.

Entrementes, à província volta, por mais do que uma vez: Coimbra, Faro, Porto, Setúbal e Tavira, por exemplo, figuram no seu roteiro musical de então; e no Alentejo ou no Algarve, nas Beiras ou no Minho, recolhe apontamentos de música popular.

Naturalmente, a Figueira surge contemplada nessas digressões. A 24 de Setembro de 1914, por exemplo, uma carta informa-nos de que David de Souza então se acha instalado na Rua Bernardo Lopes, 66; e que, embora aborrecido pelo adiamento de um concerto projectado, ao amigo a quem escreve conta que “Tem chovido imenso, mas hoje está um dia lindíssimo”. E, a 11 de Setembro de 1917 no Grande Casino Peninsular, rege um concerto a favor da Assistência da Figueira às vítimas da guerra.

E é precisamente essa 1º Guerra Mundial que, á distância, vai matar ainda mais uns milhares de almas, até mesmo em Portugal. Não antecipemos porém.

A 19 de Agosto de 1918, em postal de Lisboa ao violinista Paulo Manso, conterrâneo e amigo, anuncia para o dia imediato a sua vinda para a Figueira, no comboio da noite, contando instalar-se no Hotel Mondego, que ficava entre a Rua 11 de Setembro e o cais, sensivelmente por esse lado fechando o actual Largo do Carvão. Mas, em Setembro imediato escrevendo a outro amigo, Alexandre Ferreira, sobre discussões em torno do contrato com o Politeama para a época de concertos que se avizinhava, já dá por morada o prédio nº 29 da Rua do Viso, aqui perto de mim, no Bairro Novo.

Entre a data da última carta referida – 20 de Setembro – e a da morte, tão próxima – 3 de Outubro – que voltas mais terá dado o artista? Terá ainda ido a Lisboa tratar pessoalmente com Luís António Pereira, o empresário, que o “intimara” a começar ensaios para a nova época do Politeama às 5 da tarde do último dia desse mês de Setembro? E por que se terá mudado da Rua do Viso para a casa onde veio a falecer, tão vizinhas uma da outra? Quem saberá?


(1) O presente texto, agora corrigido, foi publicado em primeira versão no semanário figueirense “O Dever”, em 16 de Janeiro de 1981.

4 Notas sobre David de Souza por José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) (professor, escritor)

III – Em memória de David de Souza (1)

A Figueira da Foz vai festejar o I Centenário do nascimento de David de Souza, que a 6 de Maio de 1880 nela se abriu para a vida, vida breve que também aqui tristemente se lhe acabou a 3 de Outubro de 1918.

No começo, de certo modo lhe sorriu a sorte: a vida familiar cedo se deslocou para Lisboa, possibilitando a David de Souza o florescer para a música, iniciando-se nessa arte aos 9 anos de idade. Concluídos os estudos no Real Conservatório com 23-24anos, parte então para a Alemanha (Leipzig), onde até 1908 se aperfeiçoa na sua arte com uma bolsa do Estado Português. Entretanto, e ainda depois, viaja pela Áustria, Inglaterra e Rússia, dando a conhecer a sua arte de violoncelista, de regente de orquestra e de compositor.

Porém, a partir dos 32-33 anos, é em Portugal que procura realizar-se. Em Lisboa, entre 1913 e 1918, ficaram famosos os seus concertos no Teatro Politeama. Famosos, não tanto pela polémica que suscitaram – havia concertos também no Teatro de S. Luiz, sob a batuta de Pedro Blanch – mas principalmente porque, através deles e pela primeira vez se ouviram em Portugal, obras famosas de compositores de todo o mundo de expressão europeia, desconhecidas à época nesta “pequena casa lusitana”.

Lembre-se que David de Souza organizou muitos concertos “monográficos”, de épocas, de países, de autores. Foi o caso dos festivais consagrados a compositores e composições dos séculos XVII, XVIII e XIX; ou a compositores das Nações Aliadas na Grande Guerra; ou dos festivais de música eslava ou francesa, assim como aqueles que dedicou a Beethoven ou Wagner.

Lembrem-se igualmente, primeiras audições de obras de compositores alemães, além dos já referidos, como J. S. Bach, Brahms, Haendel, Mayerbeer e Schumann; de franceses, como Berlioz, Chabrier, Debussy, Dukas, Lalo, Massenet e Saint-Saens; de russos, como Balakirev, Glazounov, Mussorgsky, Rachmaninov, Rimski-Korsakov, Skriabine e Tchaikovsky; e do belga César Franck, do norueguês Grieg, do polaco Paderewski, do checo Smetana ou do finlandês Sibelius.

Em abono da verdade, diga-se entretanto que David de Souza jamais deixou de homenagear também autores portugueses, escritores, executantes ou compositores.

Assim, por exemplo, apresentou música inspirada em Camões, Antero de Quental, António Nobre, Guerra Junqueiro, Henrique Lopes de Mendonça e do figueirense João de Barros.

Igualmente os executantes portugueses mereceram de David de Souza, ele próprio executante, a melhor atenção. E assim foi que, desde Dezembro de 1913 a Março do ano imediato, em menos de 3 meses portanto, fez a “sua” Orquestra Sinfónica passar de 75 para 90 figuras. Também, a 30 de Abril de 1916, deu um concerto em favor do cofre de subsídios da secção musical do Conservatório de Lisboa. Do mesmo modo, em Fevereiro de 1917 regeu na festa artística da sua própria Orquestra e a 18 do mês imediato, fez a festa de homenagem ao seu primeiro violino, Luiz Barbosa (2).

Por outro lado, frequentemente incluiu composições portuguesas nos concertos que deu, ajudando assim a exaltar personalidades como as de Azevedo e Silva, Luís Pinto, Venceslau Pinto, Flaviano Rodrigues, Luís de Freitas Branco e Ruy Coelho. Enfim, pela primeira vez fez ouvir entre nós um considerável número de partituras nacionais inéditas: como a “Marcha Camões” e o “Poema Sinfónico” do célebre portuense e político João Arroyo; as “Páginas Dispersas” de Joaquim Fão, regente de bandas militares e depois continuador de David de Souza no Politeama; as “Miniaturas” do alfacinha Augusto Machado; a “Efémera”, do médico olhanense José Maria de Pádua, fundador da primeira Tuna Académica de Lisboa; o poema sinfónico “Idílio Rústico”, composto sobre o conto de Trindade Coelho por José Gomes Ferreira de 17 anos, então repartido entre os estudos, os versos e a música; uma “Rêverie”, um “Scherzo” e uma “Serenata” de João Passos; ou os “Cantos do meu país” e as “Impressões musicais” de Tomaz de Lima, seu amigo, ambos professores do Conservatório.

A repousar de um ano de trabalho árduo e com o pensamento posto na época de concertos que se avizinhava, aqui perto, na Rua do Viso, passa David de Souza parte de Setembro de 1918. Quem então diria que o fim lhe estava tão próximo?

Vítima da gripe pneumónica, David Ascensão de Figueiredo e Souza, promissor violoncelista, esperançoso compositor e sobretudo maestro já em clara afirmação, no começo desse Outono sinistro, com apenas 38 anos de idade, morre na terra que fora também o seu berço.

Poderia dizer-se que da arte e pela arte viverá só o tempo da 1ª guerra mundial, que indirectamente o vitimava também.


(1) Parte do texto presente, agora corrigido, serviu de abertura ao Catálogo da Exposição de homenagem a David de Souza, inaugurada na Biblioteca Municipal a 6 de Maio de 1980.

(2) Pai do violinista Vasco Barbosa e da pianista Grazy Barbosa.

4 Notas sobre David de Souza por José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) (professor, escritor)

IV – David de Souza, compositor (1)

Consultando o espólio de David de Souza, existente no Museu Municipal, notei cerca de meia centena de datas, em outras tantas composições completas ou simples apontamentos.

Anteriores a Leipzig (1904-1908), apenas dois textos, assim mesmo com interesse: uma recolha apontada de uma Modinha de Leiria, Alfeizerão e arredores (8-V-1898) e a valsa “Um beijo na praia”, enviada em 1904 à redacção da Gazeta da Figueira, para publicação que, segundo creio, não aconteceu.

Afiguram-se-me importantes ambas as composições, porque, se a valsa reflecte os gostos do tempo, o fundo afectivo do artista e a sua memória pela terra mãe, já o primeiro esboço faz pressentir a tendência do futuro compositor para o folclore, depois abundantemente confirmada.

Os 9 anos passados fora do país (1904-1913), estão assinalados por cerca de duas dúzias de textos datados. Pela correspondência da época, sabemos que David de Souza na luta por sobreviver, não se limitava a acções como aluno, compositor, violoncelista e regente de orquestra. Em busca de alguns proventos, construía música que ia vendendo a editores nacionais e estrangeiros. Por isso, na sua obra de então, o próprio artista distingue dois níveis: um, esforçado e sério, que ele se atrevia a submeter à apreciação de mestres e do público conhecedor; e outro, mais ao gosto das camadas pseudo-cultas.

Neste último lote inicia David de Souza “as primeiras valsas portuguesas tocadas nos salões ingleses”. No primeiro conjunto, incluía o artista obras para canto, piano, violoncelo e orquestra: barcarolas, mazurkas (há uma explicitamente dedicada ao seu mestre Julius Klengel), melodias, poemas sinfónicos, rapsódias, tarantelas, etc. Para esses trabalhos de maior fôlego, buscava David de Souza o parecer de mestres que o estimulavam, corrigiam e, às vezes, até editor lhe arranjavam.

É entre tais composições que havemos de contar a “Rapsódia Eslava”, talvez de entre 1908 e 1910, que, inspirada no folclore russo, alcançou sucesso desde a primeira audição, supomos que em 1910, na cidadezinha de Ekaterinoslaw (2); assim como outras obras, certamente de maior conteúdo psicológico: uma “Canção de Outono” (20-VIII-1906); umas “Danças portuguesas” (8-VII-1907); o poemeto sinfónico para grande orquestra “Ignez”, poema inspirado no mais alto episódio lírico-trágico de “Os Lusíadas” (op. 16, concluído em Leipzig a 3-VIII-1907 “ás doze da noite” e pela primeira vez parece que tocado em Berlim a 4 do mês imediato); um “Pranto” (2-IV-1908); uma “Suite Lírica” para grande orquestra (24-VII-1909), com primeira audição na cidade inglesa de Harrogate, na noite de 6 de Setembro do mesmo ano (3); uma “Canção de embalar” (IV-1908), que exibe esta apaixonada dedicatória: “Á minha adorada mãe” (4); ou a muito justamente célebre “Saudade”, de extensão breve, mas de claro e fundo sentimento (5).

Regressado à pátria e com menos de 5 anos para viver (1913-1918), comprometido com os célebres e polémicos concertos do Politeama e outros que no país e fora dele ia realizando, David de Souza empenhou-se num intenso trabalho de composição (há, dessa data, uma trintena de textos, a par com outros mais, da mesma época mas sem datação), quer em arranjos para orquestra de obras de outros compositores, quer em recolhas do folclore português, quer em inéditos próprios. Esse foi um tempo de lavor apaixonado, próprio do temperamento sentimental-activo que era o de David de Souza, comprovado pela sua correspondência, pelos seus comentários e atitudes, assim como pelos motivos inspiradores da sua obra.

Na série de orquestrações de obras de outros compositores, incluem-se trabalhos sobre autores de várias nacionalidades e vários séculos: Couperin, Buonacini, Galuppi, Gossec, Fischer, Mozart, Beethoven, César Franck, Grieg, etc.

Da simples observação das dúzias de apontamentos folclóricos, ressaltam como províncias mais inspiradoras o seu paterno Algarve, com relevo para Monchique, o Alentejo e as Beiras. Como seria interessante um estudo só neste domínio! Apenas um exemplo, a ilustrar: em apontamento de “A machadinha”, título primeiro, depois riscado e substituído pelo de “A monda”, David de Souza lança a nota seguinte: “pedir letra a Fernando Tomaz”. Ora, que relações haveria entre o compositor e o primeiro grande etnógrafo figueirense, e que reflexo terão tido elas nas respectivas obras?...

No campo da produção própria, sobre folclore ou não, entre as obras datadas figuram, além de outras: um “Hino patriótico” (26-III-1916), sobre letra de Silva Passos; uns “Cantares Portugueses” nº 2 (13-III-1917) (6); um “Derradeiro Adeus” (estados d’alma), (VII-1917); uma “Elegia” (4-VII-1918), inspirada na romântica exclamação “Ó minha mocidade / como eu te choro!”; um apontamento intitulado “Figueira” (19-IX-1917), sobre letra muito breve que principia com o verso: “Eis as sete freguesias”, para terminar desta arte: “em Alhadas e Tavarede / sou Quiaios e em Maiorca / sou Paião e fui na rede”; e ainda o poema sinfónico “Babilónia” (4-XI-1917), inspirado na morte de D. João, de Guerra Junqueiro.

No frontispício desta obra maior, há o seguinte comentário, vibrante como é próprio do ânimo do compositor:

“Contigo oh minha peça querida nasceram-me alguns cabelos brancos.
Não te perceberam (…) os meus inimigos!
Se vales, ficas, és o meu pedestal! Se não vales, serás o meu pelourinho!
Lisboa, 24-XI-1917. David de Souza


(1) Texto escrito em Outubro de 1980 e agora corrigido.

(2) A cidade, depois chamada Dnepropetrovsk, situa-se no coração da Ucrânia, sobre a margem direita do Dniepre, mas a mais de 3 centenas de quilómetros da Foz, no Mar Negro.

(3) Em Moscovo, ante algumas telas do Museu de Pintura, à memória de David de Souza vieram cenas da sua própria infância. Nelas inspirado, compôs a “Suite Lírica” em 4 quadros: “Velho conto aldeão” / “de volta ao redil” / “Última primavera” / “Dança aldeã”. Esta peça, apresentada com êxito em Inglaterra e na Rússia, parece haver tido a sua primeira audição em Portugal no concerto do Politeama de 15 de Março de 1914.

(4) Será esta a mesma “Berceuse” apresentada em Portugal pela primeira vez no concerto / prova de 16 de Junho de 1913, no Conservatório de Lisboa, e depois repetida, a 29 de Setembro seguinte, na festa do Ginásio Figueirense?

(5) Este belo trecho incluiu-o David de Souza na sua festa artística de 7 de Fevereiro de 1915, no Politeama. Entretanto, quando terá sido ouvida pela primeira vez? O que porém parece certo é que esta “Saudade” portuguesíssima, com a “Rapsódia Eslava”, a “Suite Lírica”, os “Cantares Portugueses” e a “Berceuse”, são os textos de David de Souza até hoje mais apresentados em público.

(6) Sobre uns outros “Cantares Portugueses” em primeira audição apresentados no Politeama a 28 de Janeiro de 1917, deixou David de Souza a seguinte nota: “Apenas uma ideia me acompanhou na composição desta peça: dar a conhecer aos meus compatriotas algumas das nossas canções que julgo desconhecidas em Lisboa. Trecho sem artifícios nem pretensões orquestrais em que somente há um pouco da alma portuguesa”. Lisboa, 23-I-1917. Terá o seu êxito sido tal, que determinaria ao artista compor outra obra com o mesmo nome, num lapso de tempo inferior a 2 meses?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Chanson D'Automne - David de Souza


Ana Leonor Pereira - soprano
António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

Mazurka - David de Souza


Pedro Neves - violoncelo
António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

Lied - David de Souza


Pedro Neves - violoncelo
António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

Il Passato - David de Souza


Ana Leonor Pereira - soprano
António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

A Fiandeira - David de Souza


Ana Leonor Pereira - soprano

António Ferreira - piano
(do CD "Tout près de mon coeur")

David de Souza (1880-1918)

David de Souza (1880-1918)

David de Souza (1880-1918) - Biografia

Nascido a 6 de Maio de 1880 na Figueira da Foz, David de Souza, violoncelista, maestro e compositor, realizou os seus estudos musicais no Conservatório Nacional, instituição onde frequentou a classe de violoncelo de Eduardo Wagner e de Cunha e Silva e a de teoria musical de Freitas Gazul.

Em 1904, como bolseiro do estado português, David de Souza parte para Leipzig, onde vai estudar com um dos mais famosos violoncelistas da época: Julius Klengel.

De regresso a Portugal, o nosso jovem músico estreia-se como chefe de orquestra em 1913 num concerto realizado no Teatro Nacional D. Maria. Pouco depois é contratado para Maestro Titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, formada nessa altura e instalada no Politiema.

Com temperamento fogoso, dotes histriónicos e grande poder de comunicação com o público, David de Souza conquistou vários admiradores. Do seu vasto reportório destacam-se as inúmeras obras modernas que interpretou pela primeira vez em Portugal, como por exemplo: a 2ª Sinfonia de Vincent D’Indy, as “Valsas Nobres e Sentimentais” de Maurice Ravel ou o Poema Sinfónico de Luís de Freitas Branco “Depois de uma leitura de Antero de Quental”. Apaixonado pela música russa, revelou igualmente ao público português, inúmeras obras de compositores daquele país.

Em 1916 David de Souza é nomeado professor de violoncelo e de orquestra do Conservatório Nacional, mantendo paralelamente o cargo de Maestro Titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Na sua obra, eminentemente nacionalista, figuram composições para piano solo, canto e piano, violino e piano e para violoncelo e piano, para além de um bom número de obras para grande orquestra de onde se destacam a “Rapsódia Eslava” e o Poema Sinfónico “Babilónia”, David de Souza deixou-nos ainda uma ópera que continua inédita: “Inês de Castro.”

David de Souza faleceu a 3 de Outubro de 1918 na Figueira da Foz, vítima de febre pneumónica.

David de Souza (1880-1918)